Liderança consciente

Em algum momento, há milhares de anos, a humanidade passou a se reconhecer como tal. O homem, então, não se enxergava mais como um mero integrante do reino animal, mas sim como membro de uma espécie à parte de tudo ao redor. Esse despertar da autoconsciência ou “mordida na maçã” fez com que o ser humano se tornasse uma entidade que sempre viveria em grupo.

Ao longo da história esses grupos constituíram famílias, tribos, clãs, reinos, estados, organizações e tantos outros, sempre com um elemento em comum: a presença de uma figura de liderança. As características e atribuições de cada líder, por sua vez, foram sendo adaptadas aos costumes, necessidades e demandas da época.

Entre o final do século 19 e início do século 20, com o surgimento das primeiras fábricas e linhas de produção, foram elaboradas também correntes de administração científica, fundamentadas no modelo hierárquico militar. Nelas, as pessoas eram vistas apenas como recursos ou força de trabalho animal, quase escrava.

O início da mudança do olhar da liderança ocorreu na década de 1920, com a descoberta do chamado efeito Hawthorne. No bairro homônimo de Chicago, em uma fábrica da Western Electric Company, onde eram realizados experimentos para comprovar a elevação da produtividade com o aumento da iluminação através de lâmpadas da General Eletric americana, os pesquisadores constataram que a produtividade seguia alta mesmo após o fim da experiência e retorno aos níveis anteriores de luminosidade. Aquela linha de produção selecionada para o experimento, portanto, aumentara sua produção simplesmente por estar sendo valorizada pela escolha para a experiência (VERYWELLMIND, 2018).

A partir de então, descobriu-se que o ser humano produz não só porque é ordenado ou pago para tal, mas a velocidade e qualidade da produção estão diretamente relacionadas a valores subjetivos como reconhecimento, motivação e autoestima.

Na década de 1960, a área da gestão de recursos humanos é novamente revolucionada, dessa vez pelas teorias X e Y idealizadas pelo economista norte-americano Douglas McGregor (1906-1964). Publicadas em seu primeiro e único livro, “O lado humano da empresa” (MCGREGOR, 1992), elas são consideradas até hoje um marco na teoria da administração e no papel da liderança, estabelecendo um novo paradigma que salienta as competências humanas.

Teorias X & Y de McGregor.

Enquanto a teoria X tem como princípio fundamental a rígida direção e o controle através do exercício da autoridade, a Teoria Y baseia-se na integração e no fornecimento de condições que permitam aos funcionários da organização atingir os seus próprios objetivos, direcionando seus esforços para o sucesso da empresa. De acordo com McGregor (1992):

quando não alcançamos os resultados desejados, tendemos a procurar a causa do fracasso por toda a parte, menos onde ela normalmente está. O engenheiro não põe a culpa na água por correr para baixo ao invés de correr para cima, nem acusa os gases por se expandirem em vez de se contraírem quando aquecidos. No entanto, quando as pessoas reagem às decisões administrativas de maneira não desejada, a resposta normal é acusá-las”.

Teoria X vs Teoria Y.

Hoje, com todos os avanços na capacidade de compreensão da natureza humana, será que os líderes pensam de forma diferente? Quais são as respostas possíveis para os problemas e desafios atuais das lideranças? Qual deve ser o novo papel de um líder no século 21?

Um líder consciente tem como principal dever servir ao propósito da organização, buscando extrair o que há de melhor em cada colaborador para promover transformações positivas, capazes de agregar valor para todos.

“Empresas conscientes têm líderes emocional e espiritualmente maduros. São pessoas motivadas pela oportunidade de servir ao propósito do negócio e a seus stakeholders, e não por poder e enriquecimento espiritual. Sabem desenvolver e inspirar, orientar e motivar. Comandam pelo exemplo. Não são militares nem mercenários, e sim líderes missionários que incorporam a mensagem de Mahatma Gandhi: ‘Devemos ser a mudança que queremos ver no mundo.’

Líderes conscientes são pessoas fortes, donas de excepcional coragem moral e capacidade para resistir ao escrutínio constante e às críticas daqueles que enxergam os negócios de forma mais tradicional. Acima de tudo, veem-se como guardiões da empresa, buscando nutri-la e preservá-la para as futuras gerações, e não como caçadores de ganhos de curto prazo para proveito próprio e do atual círculo de stakeholders” (MACKEY & SISODIA, 2018, p. 191).

Nos negócios contemporâneos, os CEOs deixaram de ser ícones de aspiração, tornando-se objetos de questionamentos e pesquisa. Nesse cenário, até os empreendedores mais jovens, principais gestores da nova economia compartilhada, estão sendo pressionados pelo impacto social, econômico e ambiental de suas companhias. Atualmente, portanto, a confiança representa a moeda final.

Os consumidores da chamada geração Y ou Millennials estão conduzindo essa tendência; em uma recente pesquisa da Deloitte, 40% dos entrevistados afirmaram que o objetivo central das empresas deveria ser “melhorar a sociedade”. Vale lembrar que os membros dessa geração já correspondem a 40% de todo o mercado de consumo, gerando aproximadamente US$ 40 bilhões em vendas anuais (DELOITTE, 2018).

A Unilever é um bom exemplo de conglomerado que desenvolve estratégias orientadas por objetivos. Seu CEO Paul Polman inovou ao dar um significado mais profundo ao termo “sustentabilidade”, conceituando-a não somente como o certo a fazer, mas como um aspecto primordial do crescimento corporativo.

Para colocar em prática essa ideia, Polman lançou um “plano de desenvolvimento de vida sustentável” com as seguintes metas: melhorar as condições de vida e higiene de mais de um bilhão de pessoas ao redor do mundo, minimizar o impacto ambiental das atividades da Unilever e estimular a paridade de gênero em suas fábricas.

De acordo com Polman, as companhias não podem prosperar se as pessoas não prosperarem também. Ao proteger as pessoas e o meio ambiente, um líder também estará automaticamente preservando o futuro da sua empresa. Seguindo essa filosofia, em 2017 o lucro líquido da Unilever foi de US $ 6,84 bilhões.

Os últimos anos viram a ascensão das chamadas “empresas de impacto B” – organizações baseadas em altos padrões de sustentabilidade social e desempenho ambiental. Lançado nos Estados Unidos em 2006, o movimento B Corp era historicamente formado por pequenas e médias empresas, porém atualmente ele conta com mais de 2.600 companhias em 60 países, abrangendo cada vez mais multinacionais de grande porte (BCORP, 2020).

B Corp.

A Danone, uma das maiores produtoras de alimentos do mundo, já assumiu o compromisso de se tornar certificada até 2030. Emmanuel Faber, seu diretor executivo, está dedicado a “restabelecer a confiança com funcionários, consumidores, parceiros, sociedade civil e governos” (QZ, 2019).

A visão “One Planet. One Health” da empresa é uma manifestação clara disso, abordando a interseção entre sustentabilidade alimentar, saúde e meio ambiente. A Danone agora estuda os hábitos e problemas de saúde de seus clientes nos 52 países em que atua, adaptando seus produtos aos achados. No Brasil, por exemplo, a companhia adicionou vitaminas específicas a um de seus queijos mais comercializados após analisar a dieta dos jovens brasileiros.

De acordo com o relatório Edelman Trust Barometer do ano passado, 64% das pessoas de diversos países esperam que os CEOs liderem as transformações sociais em vez de aguardar por intervenções governamentais. Paralelamente, 84% desejam que os CEOs participem ativamente de debates sobre políticas em questões sociais. A confiança nos negócios (52%) segue superior à confiança global no poder público (43%) (EDELMAN TRUST BAROMETER, 2019).

A maioria das grandes empresas parece de fato tentar assumir esse papel, indo além do compliance. Quase 90% das maiores companhias do mundo reportam seu desempenho em sustentabilidade com base nas métricas propostas pela GRI (The Global Reporting Initiative, criada em outubro de 2016), e 9.933 empresas de 160 países são membros do Pacto Global da ONU – uma iniciativa voltada para o alinhamento da estratégia das empresas a metas sociais.

Os investidores também têm priorizado o impacto social positivo aliado ao retorno financeiro. Uma recente pesquisa junto a Millennials de alta renda descobriu que 69% buscam investir em empresas que demonstram maior preocupação socioambiental. Globalmente, o investimento responsável está aumentando – uma expansão de 25% nos últimos dois anos, para US $ 23 trilhões, segundo a Global Sustainable Investment Alliance. Já o mercado global de títulos verdes – criado para financiar projetos que trazem benefícios ambientais ou climáticos – foi estimado em US $ 300 bilhões até o fim de 2018, quase dobrando seu valor em 2017 (GSI, 2019).

A percepção de que os problemas mais urgentes do mundo não podem ser solucionados apenas pela sociedade civil ou pelos governos têm crescido rapidamente nos últimos anos. Desde contribuir para uma comunidade mais saudável até minimizar o impacto ambiental e combater o trabalho infantil, as organizações podem atingir resultados – financeiros e sociais – fantásticos se conseguirem equilibrar lucratividade e propósito. Como exposto na Declaração de Interdependência da B Corp, tudo está relacionado à premissa de “não prejudicar” e “beneficiar a todos”.

Para se aprofundar nos outros pilares do Capitalismo Consciente, clique nos banners abaixo:

Referências:

VERYWELLMIND, 2018. The Hawthorne Effect and Behavioral Studies. Disponível em: https://www.verywellmind.com/what-is-the-hawthorne-effect-2795234 Acesso em: 20/02/2020.

MCGREGOR, Douglas. O lado humano da empresa. Martins Fontes, 1992.

MACKEY, John & SISODIA, Raj. 2018. Capitalismo Consciente: como libertar o espírito heroico dos negócios. Alta Books.

DELOITTE, 2018. The Deloitte Millennial Survey 2018. Millennials’ confidence in business, loyalty to employers deteriorate. Disponível em: https://www2.deloitte.com/tr/en/pages/about-deloitte/articles/millennialsurvey-2018.html Acesso em: 20/02/2020.

BCORP, 2020. Disponível em: https://bcorporation.net/ Acesso em: 20/02/2020.

QZ, 2019. Danone is showing multinationals the way to a less destructive form of capitalismo. Disponível em: https://qz.com/work/1739547/danone-ceo-emmanuel-faber-is-building-the-worlds-largest-b-corp/ Acesso em: 20/02/2020.

EDELMAN TRUST BAROMETER, 2019. Edelman Trust Barometer 2019 revela que os brasileiros confiam mais no seu empregador do que nas instituições tradicionais. Disponível em: https://www.edelman.com.br/estudos/trust-barometer-2019 Acesso em: 20/02/2019.

GSI, 2019. Global Sustainable Investment Alliance. Disponível em: http://www.gsi-alliance.org/ Acesso em: 20/02/2020.

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